quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Passarinho

Muitas vezes tomamos decisões que parecem intempestivas e até mesmo justificadas por razões menores, momentâneas. Aconteceu isso comigo há quase trinta anos, da mesma forma que hoje, na saída do PPS. Eu vivia ainda sob a noite da ditadura, num crise agura que corroia meus próprios princípios. Sempre fui militante, desde 1963, mas os anos 1966-1969 foram terríveis: avesso a drogas e contra a luta-armada, via meus amigos se afundarem nas duas vertentes de nosso desespêro, com perdas muitas vezes irreparáveis. Eu não cedia, mas fui me afundando numa crise pessoal terrível. Como tinha uma boa ligação com o Grupo Oficina e o Zé Celso, acabei me juntando a eles na época da peça "Gracias Senhor". Admiro profundamente o Zé e o Oficina, mas meu caminho era outro e eu acabei levando para lá apenas o meu desespêro. Eu havia filmado a peça, contando com a câmera maravilhosa do Jorge Bodanzki, que havia fotografado meu longa "Gamal", em 1968. Doei todo o material para o Zé Celso e avisei que estava de saída. Parecia uma coisa triste, mas nada disso: saí do teatro e andava ali pela Bela Vista feito um passarinho, livre dessa ligação que, apenas por erro meu, era na verdade uma prisão que nem ajudava o Oficina nem a mim mesmo.
Aí está. Tenho o Zé Celso como amigo e mais admiração ainda pelo Oficina.
Salve Zé!

domingo, 9 de janeiro de 2011

saida PPS-2

Repercussões boas e ruins de minha saída do PPS. Confesso que ainda sinto falta desse vínculo partidário, mesmo sabendo que ele já não correspondia mais ao que eu esperava. Foi uma decisão pessoal curtida por vários meses e anunciada para o Roberto Freire num encontro municipal em SP. Não há nenhuma sub-intenção, nem tenho quqalquer projeto político decorrente dessa decisão. Simplesmente queria ficar fora daa estrutura partidária. O desafio é continuar com as ligações po´líticas, os amigos, fazer parte de uma corrente, certamente maior do que o PPS, que procura um novo sentido para a esquerda no Brasil e no mundo.
Eis mensagem que enviei ao agora deputado Stepan, ao Ivan e ao amigo Almeida, da Fundação Pedroso Horta:
Caros Stepan, Almeida, Ivan, Claudio

Fiquei feliz com suas palavras de compreensão quando o mais fácil seria o de julgamento.
Disse hoje ao Almeida que tranquilizasse os companheiros: não estou fazendo barganhas, não tenho nenhum pojeto decorrente desse meu pedido de afastamento.
Simplesmente achei que era hora de tomar uma decisão ( eu já havia comunicado isso,m iformalmente ao Roberto Freire num enconto municipal em SP).
O que eu penso está no trexto de meu blog que alguém reproduziu e que vi no final dessas mensagens.
Nada mais.
Se há ai alguma coisa a discutir, sem dúvida é a ligação dos intelectuais com o partido.
Tenho mesmo uma miltância inegável de quase 50 anos e sempre fui fiel ao partido, desde o velho e querido partidão até hoje.
Só agora vi as ilações estranhas de companheiros a respeito de minha conduta. Tomo isso não por maldade mas desinformação. Nunca fui privilegiado com financiamentos, caixas, nada, sempre tive que lutar contra, nadar contra a maré. E não é atôa que meus filmes sempre foram os mais ( bem mais!) baratos da produção autoral de minha geração. E se sou um dos cineastas com mais filmes na carreira é porque nunca cedi à essa dificuldade emuitas e muitas vezes filmei sem dinheiro algum, como recentemente o filme "Vlado 30 anos depois", que sem dúvida alguma marcou os 30 anos da morte de nosso companheiro e meu amigo pessoal Vladimir Herzog: não tive nem um centavo de patrocínio. E tantos outros filmes. "O homem que virou suco " custou 80 mil dólares na ´época, quando meus contemporâneos faziam filmes de 300/500 mil dólares...
Outra coisa: sempre soube, em minha vida, que a dificuldade de apoios estava em minhas idéias,minha teimosia, meu espírito crítico e não numa eventual filiação partidária. Podem me pintar de ouro, eu serei sempre visto como chumbo. E sempre tive que me carregar sozinho, com todo esse peso de minhas opções políticas.
Muito obrigado a todos,especialmente a vocês, Stepan, Almeida, Ivan, pelo tom das mensagens.
Quero manter essa ligação de sempre com o partido, com vocês.
Um grande abraço.
E sucesso, Stepan,no Parlamento!
João Batista de Andrade

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

desligamento do PPS

Tomei hoje uma decisão difícil para mim: me desliguei do PPS. Eu estava filiado a esse partido que surgiu, como sucessor do velho partidão, o PCB, de que fui militante desde estudante ( 1963) e dirigente na clandestinidade, durante a ditadura militar. Ser "partido" faz parte, portanto de minha forma de ser, de minha disciplina militante. Mas isso foi perdendo sentido, com o tempo, com a volta da democracia. Não quero criticar o PPS, tenho lá muitos amigos e admiro muito o Roberto Freire, grande líder nacional, uma referência. Eu o conheci em sua candidatura a presidência, que apoiei, já que ele representava o sonho de minha geração de comunistas: um partido não golpista, fazendo política não na clandestinidade, mas à luz do dia. Foi uma campanha memorável, nós todos sentimos que haveria espaço para uma esquerda reformista e ddemocrática no Brasil. Isso estava ensaiado na tentativa de refazer o partido (ainda PCB) no final dos anos 70, ainda antes da anistia e logo ddepois do assassinato de Vlado (Vladimir Herzog) e de Manoel Fiel Filho, ambos ligados ao partido. Nessa época, sob a liderança de intelectuais como Gildo Marçal Brandão, Davi Capistrano (eu participei, fui dirigente na clandestinidade)tentamos recriar opartido como um partido aberto para a política, um partido não golpista, não autoritário. Esse sonho, que caminhava bem, se desfez justamente com a anistia, a volta dos velhos líderes comunistas. Com excessões valiosas, como Armênio Guedes, Marco Antonio Coelho, esses dirigentes nos trataram como traidores, anti-soviéticos ( pois fazíamos críticas ao "socialismo real" e à chamada "ditadura do proletariaddo"). O PPS sucedeu o partidão, que, a partir daí não tinha mais espaço na socieddade brasileira sob a democracia.
Me desliguei agora, não vejo mais sentido nessa militãncia. Como já disse aqui mesmo nesse blog, é difícil para artistas e intelectuais militarem em partidos políticos na democracia. Nós não somos nada dentro da lógica partidária, nada mesmo.
Quero me manter como amigo, ajudar, apoiar e esperar apoios, mas agora ccomo independdente.
É uma decisão difícil, mexe com praticamente 50 anos de minha vida.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Cineasta preso no Irã

Meus amigos, O cineasta Jafar Panahi é o novo perseguido no Irã, tomado pelo fanatismo religioso que nada mais é do que instrumento de um poder ditatorial que pretende se eternizar no poder pisando sobre seu próprio povo.
Reproduzo aqui carta do cineasta e texto de minha mensagem distribuida pela internet.
A carta foi conseguida pelo cineasta Silvio Tendler com tradução feita por Ana Luiza Baesso:
"Julgar-nos é julgar todo o cinema social iraniano"


Ilmo. Sr. Juiz, permita-me apresentar minha defesa em duas partes distintas.

Primeira parte: o que se diz

Nos últimos dias, revi vários de meus filmes preferidos da história do cinema, embora grande parte de minha coleção tenha sido confiscada durante o ataque à minha residência, ocorrido na noite de 19 de fevereiro de 2009. Na verdade, o Sr. Rassoulof e eu estávamos rodando um filme do gênero social e artístico quando as forças que alegavam fazer parte do Ministério da Defesa, sem apresentar nenhum mandado de busca oficial, a um só tempo nos prenderam, bem como a todos os nossos colaboradores, e confiscaram todos os meus filmes, que nunca me foram restituídos posteriormente. A única alusão feita a esses filmes foi a do juiz de instrução do processo: "Por que essa coleção de filmes obscenos?"

Gostaria de esclarecer que aprendi meu ofício de cineasta inspirado por esses mesmos filmes que o juiz chamava de “obscenos”. E, acredite, não sou capaz de entender como um adjetivo como esse possa ser atribuído a tais filmes, assim como sou incapaz de compreender como se pode chamar de “delito de opinião” a atividade pela qual hoje querem me julgar. Julgam-me, na verdade, por um filme que ainda não tinha nem o seu primeiro terço rodado quando fui preso. O senhor certamente conhece a expressão que diz que pronunciar apenas metade da frase "não existe nenhum deus além do grande Deus” é sinônimo de blasfêmia. Então, como se pode julgar um filme antes mesmo que ele esteja pronto?

Não sou capaz de entender nem a obscenidade dos filmes da História do cinema nem a acusação que é proferida contra mim. Julgar-nos é julgar todo o cinema engajado, social e humanitário iraniano; o cinema que pretende se posicionar para além do Bem e do Mal, o cinema que não julga e que não se põe a serviço do poder e do dinheiro, mas que dá o melhor de si para apresentar uma imagem realista da sociedade.

Acusam-me de ter desejado promover o espírito de tumulto e de revolta. No entanto, ao longo de toda a minha carreira de cineasta, sempre me declarei um cineasta social e não político, dotado de preocupações sociais e não políticas. Nunca desejei atuar como um juiz ou um procurador; não sou cineasta para julgar, mas para fazer enxergar; não pretendo decidir pelos outros nem prescrever-lhes o que quer que seja. Permita-me repetir minha intenção de posicionar meu cinema para além do Bem e do Mal. Esse tipo de engajamento sempre custou caro a meus colaboradores e a mim mesmo. Sofremos os prejuízos da censura, mas é a primeira vez que se condena e prende um cineasta para impedi-lo de fazer seu filme. Também pela primeira vez é feita uma perquisição na casa do referido cineasta e sua família é ameaçada enquanto ele passa uma “estadia” na prisão.

Acusam-me de ter participado de manifestações. A presença de câmeras era vetada durante essas reuniões, mas não se pode proibir que cineastas participem delas. Minha responsabilidade enquanto cineasta é observar para, um dia, manifestar o que vi.

Acusam-nos de ter começado as filmagens sem solicitar a autorização do governo. Devo esclarecer que não existe nenhuma lei promulgada pelo Parlamento que se refira a tais autorizações. Na verdade, existem apenas circulares interministeriais, que mudam à medida que mudam os vice-ministros.

Acusam-nos de ter começado as filmagens sem apresentar o roteiro aos atores do filme. Nosso modo de fazer cinema, que recruta principalmente atores não profissionais, adota essa prática costumeiramente. Tal acusação me parece muito mais um produto do humor deslocado do que do setor jurídico.

Acusam-me de ter assinado petições. De fato, assinei uma petição na qual 37 dos nossos mais importantes cineastas declaravam sua inquietação quanto à situação do país. Infelizmente, em vez de ouvir esses artistas, acusam-nos de traição; e, no entanto, os signatários dessa petição são justamente as pessoas que sempre reagiram primeiro às injustiças do mundo todo. Como desejam que eles permaneçam indiferentes ao que acontece dentro de seu próprio país?

Acusam-me de ter fomentado manifestações no festival de Montreal; essa acusação não se baseia em lógica alguma, já que, enquanto diretor do júri, eu estava em Montreal havia apenas duas horas quando as manifestações começaram. Sem conhecer ninguém na cidade, como eu poderia ter organizado tais eventos? Talvez não se faça um esforço para lembrar mas, durante esse período, nossos compatriotas se reuniam a fim de manifestar suas exigências.

Acusam-me de ter participado de entrevistas com as mídias de língua persa de fora do meu país. Mas não existe nenhuma lei proibindo tal ato.

Segunda parte : o que eu digo

O artista representa o espírito observador e analista da sociedade à qual ele pertence. Ele observa, analisa e procura apresentar o resultado disso em forma de obra de arte. Como se pode acusar e incriminar quem quer que seja em função de seu espírito e de sua maneira de enxergar as coisas? Tornar os artistas improdutivos e estéreis é sinônimo de destruir todas as formas de pensamento e de criatividade. O ataque efetuado à minha residência e a minha prisão e a de meus colaboradores representam o ataque do poder contra todos os artistas do país.

A mensagem transmitida por essa série de ações me parece bem clara e triste: quem não pensa como nós se arrependerá…

Finalmente, gostaria também de lembrar ao Tribunal outra ironia que diz respeito a mim: o espaço dedicado a meus prêmios internacionais no museu de cinema de Teerã é maior que minha cela penitenciária.

Seja lá como for, eu, Jafar Panahi , declaro solenemente que, apesar dos maus-tratos que ultimamente tenho sofrido de meu próprio país, sou iraniano e quero viver e trabalhar no Irã. Amo meu país e já paguei o preço por esse amor. No entanto, tenho outra declaração a acrescentar à primeira: sendo meus filmes provas irrefutáveis disso, eu declaro acreditar profundamente na observância das leis “dos outros”, da diferença, do respeito mútuo e da tolerância - a tolerância que me impede de julgar e de odiar. Não sou tomado de ódio nem mesmo pelos meus interrogadores, porque reconheço minha responsabilidade para com as gerações futuras.

A História com “H” maiúsculo é muito paciente; as pequenas histórias passam diante dela sem se dar conta de sua insignificância. De minha parte, preocupo-me com essas gerações futuras. Nosso país está muito vulnerável e somente a instauração do Estado de direito para todos, sem nenhuma consideração étnica, religiosa ou política, pode nos preservar do perigo bem real de um futuro próximo caótico e fatal. Em minha opinião, a tolerância é a única solução realista e honorável a esse perigo iminente.

Com meus sinceros respeitos, Ilmo. Sr. Juiz
Jafar Panahi, Cineasta Iraniano