terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Memórias de um combatente das imagens

Uma filmagem de ação policial: Em 1972, estávamos começando nosso "Hora da Notícia" na TV Cultura (com Vladimir Herzog, Fernando Jordão, Fernando Morais e outros bravos amigos). O "rádio escuta" (*fica escutando notícias para a pauta) me disse que haveria uma "Operação tira da cama" naquele dia. Eu já havia visto: um horror fascista: policiais armados entravam nas favelas à noite, com holofotes, cães, arrebentavam as portas dos barracos, tiravam todo mundo de lá, pedindo documentos. Onde estavam os cinegrafistas filmando: entrando junto com a polícia.
Então eu chamei um cinegrafista que já havia participado dessa ação e disse: vai lá e filma do jeito que você sempre fez. Ele foi, filmou tudo ao lado da polícia. Eu fui com minha equipe no dia seguinte de manhã e passei a ouvir os moradores, os "invadidos". Eram relatos impressionantes inclusive de crianças, o medo das armas, dos cães, os holofotes nos olhos... Pois esses depoimentos, na montagem, cobriram as cenas de violência. Em 1972, com Médici no poder, ver isso na TV nos deixava arrepiados. Essa postura desenhava o que começávamos a elaborar, uma espécie de cartilha de oposição ética e estética à ditadura: considerar que a autoridade na informação não era a autoridade institucional, mas aqueles que vivem a situação. Essa visão marcou nosso trabalho, todos os meus filmes, desde 1972 até a intervenção no programa, em 1974, quando saímos todos, expulsos da TV. Tenho muito orgulho do que fiz, mas a ditadura aplicou sua violência sobre o melhor de nós: Vlado Herzog.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Edital do BNDES

ACHO ABSURDO ISSO
Do Edital do BNDES.
É difícil brigar com possíveis patrocinadores. Mas parece que não tem jeito.
Logo abaixo, minha opinião, só uma opinião de um cineasta brasileiro:

Texto do Edital:
Os projetos dos gêneros Ficção e Animação deverão estar classificados em 2 (dois) Grupos, da forma a seguir:
Grupo I – projetos que priorizem a busca de resultados econômicos sem prejuízo da observância da qualidade artística e técnica.

ou

Grupo II – projetos que priorizem a busca de reconhecimento artístico e técnico no mercado internacional, sem prejuízo da observância do equilíbrio econômico.

Os critérios de seleção para cada um dos grupos está descrito no item 5 adiante (“Critérios de Seleção”) e a opção pela classificação do Projeto será feita pela Proponente no momento da inscrição.

___________________________________________

O valor total do investimento a ser realizado pelo BNDES nos projetos selecionados obedecerá aos seguintes limites máximos:

I - em projetos do gênero Ficção e Animação:

a) R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais) para projetos do Grupo I;

b) R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) para projetos do Grupo II.

_____________________________________

O valor do investimento a ser realizado pelo BNDES nos projetos selecionados obedecerá aos seguintes limites máximos individuais:

I - em projetos do gênero Ficção e Animação:

a) R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) na categoria Produção do Grupo I;

b) R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) na categoria Produção do Grupo II;

Minha opinião:

Sempre fui contra criação de guetos, desde a Embrafilme: o tempo todo tentavam criar a divisão entre "cinema comercial" e "cinema autoral"
Seria possivel perguntar então por que não destinar todos os recursos para o cinema autoral, já que esse definitivamente não tem recursos.
Vejo que governo, com suas entidades e empresas, brinca de fazer política de cinema.
Quando o setor se movimenta, respondem assim, sem maiores responsabilidades, de forma grosseira.
"prestígio internacional"!!!
Quem disse que "ser autor" é procurar p´restígio internacional?????
E quem disse que autor não quer também sucesso na bilheteria?
E quem disse que os filmes escolhidos, nos últimos anos como "comerciais" fizeram bilheteria?
Ora bolas.
O que nós queriamos e acho que queremos é uma política ampla, responsável, que garanta uma grande diversidade da produção e que agregue a tradição, a experiência, a experimentação e também o negócio. Queremos que os investimentos incentivem todos os projetos pelo seu valor próprio, que apostemos na criatividade, na vocação. E que, paralelamente, haja muito investimento na distribuição e na ampliação da rede de exibição no país.
Eu pelo menos não quero ser cidadão de segunda classe, como tenta o BNDES
Em tempo: Ouvi muito um comentário: BNDES é difícil demais, nem vale a pena, se o projeto não é comercial, se seu filme anterior não foi bem de bilheteria.. Acho um absurdo esse comentário e absurdo maior a possibilidade grande dessa frase revelar uma verdade.
É um desrespeito.
Se quiserem bancar "cinema comercial" por ser comercial, abram uma carteira de financiamento ou então invistam nesses filmes, como associados!- e ganhem seu dinheirinho com eles!

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

campanha "vá ao cinema"

Telecines, nos institucionais "vá ao cinema" deveriam acrescentar:"Vá aos cinemas ver os filmes norte-americanos!" - propaganda do cinema norte-americano sempre tratou cinema brasileiro como gênero, -e ruim.
A propaganda do cinema norte americano não tem como incorporar o Cinema Brasileiro. Pois a vida inteira repisaram na formação do público que "cinema é aquilo que eles fazem". O resto, segundo eles, é uma coisa esquisita que parece cinema mas não é. Cinemas de outros povos por isso são estrangeiros em seus próprios paises.
Na campanha dos Telecines, nem rastro de qualquer filme brasileiro. Ali estãso os super-heróis, os astros e estrelas, os super-espetáculos, como sempre.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

cinema brasileiro

Belo artigo do Carlos Alberto Mattos:
407 horas de cinema brasileiro
por Carlos Alberto Mattos




A Programadora Brasil, distribuidora de filmes brasileiros em DVD para exibições não comerciais, vinculada à Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, completou em 2011 cinco anos de existência, com um público superior a 500.000 espectadores. Eles publicaram um catálogo geral do acervo e me convidaram para escrever o texto de apresentação. É um tanto mais longo que a média postada aqui no blog. Vamos a ele:




Poucas cinematografias no mundo podem se orgulhar de ter, numa mesma coleção de DVDs, um acervo amplamente representativo como o da Programadora Brasil. Com uma vantagem que não é pequena: eis uma coleção que, ao invés de ser vendida a preço de ouro em livrarias chiques, é disseminada a custo baixo em cineclubes, escolas, espaços culturais, bibliotecas e espaços correlatos país afora, do Amapá ao Rio Grande do Sul.

Uma cinemateca ambulante, pode-se dizer. Os números são expressivos: em 255 discos (ou programas), encontram-se 825 títulos, entre curtas, médias e longas-metragens. Totalizam 407 horas de cinema. Para assistir ao catálogo inteiro, um espectador precisaria dedicar 50 dias em jornadas integrais de oito horas, sem intervalos. Mas como essa não é uma experiência das mais saudáveis, os programas vêm formatados para se conhecer, com calma e esclarecimento crítico, os momentos mais interessantes dessa aventura que é o cinema brasileiro.

Ela começa, para a Programadora Brasil, em 1913, com os fragmentos que restaram do pioneiríssimo Os óculos do vovô, que o português Francisco Santos rodou em Pelotas (RS). É o mais antigo trecho de filme de ficção nacional a chegar aos nossos dias. E termina, por ora, com uma seleção de curtas realizados em 2010. A partir de 1952, todos os anos estão contemplados com alguma produção, e às vezes com dezenas. Assim se torna possível apreciar a evolução da linguagem, das temáticas e das formas de produção mediante a simples consulta aos filmes e aos textos críticos que acompanham cada programa.

Além de Francisco Santos, outros exploradores de caminhos no nosso cinema têm obras na coleção. É o caso de José Medina e Gilberto Rossi, parceiros e sócios em São Paulo, cujos trabalhos de ficção e documentário compõem o fascinante programa intitulado Uma sessão de cinema dos anos 20. Uma curiosidade sem preço é Macaco feio… macaco bonito, de Luiz Seel, raro exemplar de cinema de animação dos anos 1920, que sobreviveu às agruras do tempo e do descaso. Ele complementa o longa O Saci, de 1953, que pensava a nacionalidade no âmbito da diversão infantil e é considerado o primeiro filme feito para esse público no Brasil.

Luiz de Barros, Humberto Mauro e Mesquitinha são nomes que personificam o cinema feito no Rio de Janeiro na década de 1930, situando as bases de uma prática mais ou menos regular. Uma dessas vertentes foram as muitas centenas de filmes produzidos pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo entre 1936 e 1966, dos quais marca presença aqui a coletânea Brasilianas I, com clássicos imortais de Humberto Mauro. Além do não menos modelar A velha a fiar, precursor do videoclipe entre nós.

Obras-primas de Alberto Cavalcanti, Lima Barreto, Jorge Ileli, José Carlos Burle, Carlos Manga, Watson Macedo e Anselmo Duarte trazem à Programadora Brasil a era dos estúdios, quando o cinema brasileiro investiu no projeto de industrialização segundo o modelo norte-americano e europeu. As chanchadas Nem Sansão nem Dalila e O homem do Sputnik, bem como os dramas Também somos irmãos e Amei um bicheiro, são culminâncias da produção da Atlântida Cinematográfica, enquanto O cangaceiro, de Lima Barreto, foi o maior sucesso da Vera Cruz e também a primeira forte inserção do cinema brasileiro no cenário internacional. Os estúdios da Maristela, por sua vez, estão bem representados por Simão, o caolho.

Inspirado no star system dos estúdios americanos, o cinema brasileiro dessa fase também cultivou seus astros e estrelas. Eles são em grande parte responsáveis pela imensa repercussão popular das comédias que protagonizavam. Em diversos DVDs do catálogo é possível deliciar-se com as performances impagáveis de Oscarito, Grande Otelo, Dercy Gonçalves, Norma Bengell, Eliana, Cyll Farney, Odete Lara, entre muitos outros.

O panorama se adensa nos anos 1960 com a profunda renovação imposta pelo Cinema Novo. Surge uma consciência de cinema independente e autoral, que vai marcar as décadas seguintes. São filmes fundamentais dessa transição os documentários Aruanda e Arraial do Cabo, presentes em programas diferentes da coleção. O chamado Cinema Novo baiano, que teve papel central na virada (em muitos sentidos) dos anos 1950-60, tem aqui a maioria de seus expoentes: Bahia de Todos os Santos, Um dia na rampa, A grande feira, Tocaia no asfalto e Deus e o diabo na terra do sol. Sem falar em O pagador de promessas, baiano de empréstimo com o qual Anselmo Duarte e Oswaldo Massaini trouxeram para o Brasil a Palma de Ouro de Cannes.

Essa redescoberta em profundidade do país foi protagonizada também pelos documentários produzidos por Thomaz Farkas e dirigidos por uma constelação de celebridades do cinema do real. Deles o usuário da Programadora pode desfrutar o programa “Brasil verdade”, que reúne quatro médias-metragens de enorme importância, lançados juntos nos cinemas em 1964. Outros filmes dessa linhagem compõem o programa “Caravana Farkas – religiosidade e cultura popular”.

O Cinema Novo é fartamente ilustrado na coleção por filmes de Glauber Rocha, Paulo César Saraceni, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, Domingos Oliveira, Roberto Pires, Arnaldo Jabor, Gustavo Dahl, Maurice Capovilla e Leon Hirszman. Algumas das cenas mais marcantes da história do cinema brasileiro estão nesses discos, com destaque para a câmera de Dib Lutfi, as atuações iluminadas de Leila Diniz, Othon Bastos ou Paulo José, o gênio montador de Eduardo Escorel, o colorido tropicalista de Macunaíma, o canto áspero de Sérgio Ricardo e a batida sensual da Bossa Nova.

Filho rebelde do Cinema Novo, o ciclo do Cinema Marginal ajudou a modernizar nossa cinematografia com um sopro de irreverência na forma e no conteúdo. Dessa safra, que se estendeu do fim dos anos 1960 até metade da década seguinte, estão aqui os seminais A margem, de Ozualdo Candeias, O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, Bang-Bang e Blablabla, de Andrea Tonacci. E ainda Meteorango Kid – Herói intergaláctico, de André Luiz Oliveira, e Esta noite encarnarei no teu cadáver, um dos primeiros assombros de José Mojica Marins.

Não se pode deixar de mencionar a presença de filmes e diretores importantes do cinema paulista dos anos 1950 e 60, cuja atividade correu em paralelo ao modelo dominante do Cinema Novo. Aí se enquadram Roberto Santos, Luís Sérgio Person e Walter Hugo Khouri, criadores e mestres que ajudaram a manter a palheta da diversidade na produção da época.

Quem quiser ter uma ideia de como o cinema brasileiro se fez espaço de resistência contra a ditadura militar vai encontrar bons exemplos no acervo da Programadora. O DVD intitulado “Redemocratização: as greves de 1979” compila três curtas cruciais do período, assinados por João Batista de Andrade, Renato Tapajós e curta-metragistas oriundos da Corcina, cooperativa de curta-metragistas cariocas extremamente ativa na década de 1970. Nesse capítulo, sobressaem ainda o clássico Iracema, uma transa amazônica, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, e o documentário Os Doces Bárbaros, de Jom Tob Azulay, onde se veem os baianos contestando padrões de comportamento tanto da direita como da esquerda.

O fértil cinema dos anos 1970, nutrido nas inovações da década anterior e amparado pelo estado através da Embrafilme, comparece com títulos memoráveis. Entre eles, São Bernardo, de Leon Hirszman, Aleluia Gretchen, de Sylvio Back, Tudo bem, de Arnaldo Jabor, Coronel Delmiro Gouveia, de Geraldo Sarno, e A lira do delírio, de Walter Lima Jr.

Os primeiros anos da década de 1980 ainda se beneficiaram desse sopro de profissionalização e sucesso. É o que se pode ver em Eles não usam black-tie, de Hirszman, premiado em Veneza e mais uns tantos festivais internacionais, O homem que virou suco, de João Batista de Andrade, laureado em Moscou, Sargento Getúlio, de Hermano Penna, Bar Esperança, de Hugo Carvana, Nunca fomos tão felizes, de Murilo Salles, e A hora da estrela, de Suzana Amaral, que deu a Marcélia Cartaxo o prêmio de melhor atriz no Festival de Berlim.

Diretores como Chico Botelho, José Antonio Garcia, Guilherme de Almeida Prado, Ícaro Martins e Djalma Limongi Batista protagonizaram um momento especial do cinema paulista na década de 1980, marcado por uma forte elaboração estética da imagem e formas de construção narrativa pós-modernas. Pode-se verificar isso em filmes como Cidade oculta, O olho mágico do amor, O corpo, A dama do Cine Shangai e Brasa adormecida, todos presentes na coleção.

Quando o cinema brasileiro entrou em recesso forçado durante o governo Collor, quase todos os poucos longas-metragens que lograram chegar às telas podem ser vistos ou revistos nos DVDs da Programadora. Entre eles, Stelinha, de Miguel Faria Jr., Beijo 2348/72, de Walter Rogerio, Alma corsária, de Carlos Reichenbach, A saga do guerreiro alumioso, de Rosemberg Cariry, Sábado, de Ugo Giorgetti, e Carmen Miranda – Bananas is my business, de Helena Solberg. Já a Retomada pós-1995 pode ser claramente avaliada por obras de Walter Salles (Terra estrangeira), Lírio Ferreira e Paulo Caldas (Baile perfumado), Beto Brant (Os matadores), Walter Lima Jr. (A ostra e o vento), Domingos Oliveira (Amores), Ruy Guerra (Estorvo) e Helvécio Ratton (Amor & Cia.).

O mesmo nível de representação se estende aos anos 2000, quando a diversidade de temas e formatos se potencializa no cinema brasileiro, com o advento de uma grande safra de novos realizadores e a reinvenção de alguns veteranos. Encontramos, então, certos filmes que fizeram o clima da época, como Bicho de sete cabeças, de Laís Bodanzky, Durval Discos, de Anna Muylaert, Cronicamente inviável, de Sergio Bianchi, Madame Satã, de Karim Aïnouz. E ainda Houve uma vez dois verões, de Jorge Furtado, Quase dois irmãos, de Lúcia Murat, Eu me lembro, de Edgard Navarro, Cinema, aspirinas e urubus, de Marcelo Gomes, O ano em que meus pais saíram de férias, de Cao Hamburger, e Mutum, de Sandra Kogut, apenas para citar alguns. Nesses DVDs estão contidas algumas das melhores e mais premiadas atuações do cinema brasileiro moderno. Lá estão Lázaro Ramos, Fernanda Montenegro, Rodrigo Santoro, João Miguel, Leandra Leal, Chico Diaz etc, em papéis que já se tornaram inesquecíveis.

Gêneros e formatos, diversos e complementares

Não é só na perspectiva histórica que se afirma a abrangência do catálogo da Programadora Brasil. Há também uma variedade consistente no que se refere a modalidades cinematográficas, gêneros, metragens e bitolas originais. Dos 825 títulos incluídos até meados de 2011, cerca de 250 são documentários, 226 são animações, pouco mais de 100 classificam-se como filmes experimentais e os demais 400 são obras de ficção.

Os documentários do acervo expressam bem uma permanência que antecede em muito a primavera recente. Os exemplos esparsos das décadas de 1920 a 1950 se multiplicam a partir dos anos 1960, refletindo o choque de realidade vivido pelo cinema brasileiro. O trânsito de cineastas importantes entre a ficção e o documentário – Glauber, Jabor, Joaquim Pedro e Antonio Carlos da Fontoura, entre outros – inicia uma tradição que se perpetua até hoje. Nesse âmbito, a coleção resgatou filmes que há muito não circulavam fora de cinematecas como o mitológico curta Marimbás, de Vladimir Herzog, Jornada Kamayurá, de Heinz Förthmann, o já citado Um dia na rampa, o glauberiano Amazonas, Amazonas e os ensaios documentais de Olney São Paulo sobre o teatro brasileiro.

Os maiores documentaristas do país têm obras de peso incluídas no catálogo. Basta citar Vladimir Carvalho (Conterrâneos velhos de guerra e A pedra da riqueza), Jorge Bodanzky (Iracema, uma transa amazônica e Terceiro milênio), Geraldo Sarno (com seis curtas), Silvio Tendler (os “docbusters” Os anos JK, uma trajetória política e Jango) e Eduardo Coutinho (Edifício Master), além do já mencionado João Batista de Andrade.

A década de 2000 assistiu a uma floração sem precedentes do documentário no Brasil, já enunciada na segunda metade dos anos 1990. É o que responde pela presença, no período, tanto de filmes assinados por documentaristas experientes como José Joffily (O chamado de Deus), Paulo Thiago (Poeta de sete faces), João Batista de Andrade (Vlado, 30 anos depois), Andrea Tonacci (Serras da desordem) e Helena Solberg (Palavra (En)cantada), quanto por trabalhos de diretores que despontavam para o longa, como Sérgio Machado (Onde a terra acaba), João Jardim (Janela da alma e Pro dia nascer feliz), Joel Zito Araújo (A negação do Brasil), Jorge Alfredo (Samba Riachão), Kiko Goifman (33), Paulo Sacramento (O prisioneiro da grade de ferro), Liliana Sulzbach (O cárcere e a rua), Maria Augusta Ramos (Justiça), Victor Lopes (Língua – Vidas em português) e Marília Rocha (Aboio). Some-se a isso uma profusão de curtas-metragens documentais que refletiram a opção maciça de jovens cineastas pela riqueza narrativa e a maior viabilidade econômica do cinema documental.

A duração de um filme não importa para a curadoria da Programadora Brasil quando se trata de mapear os momentos importantes da nossa cinematografia. Daí a extraordinária oferta de curtas-metragens, apresentados seja acompanhando um longa, seja em programas compostos por relações temáticas, históricas ou pelo interesse para determinadas parcelas de público. Há até mesmo uma interessantíssima coletânea de curtas filmados em um único “Plano-sequência”, ou seja, sem cortes. E outra com filmes realizados exclusiva ou prioritariamente com fotografias fixas. O próprio cinema brasileiro é tema de alguns desses programas, como “Em torno de Glauber” (com cinco curtas), “Memórias da Boca do Lixo” (quatro curtas sobre o famoso polo de produção do centro de São Paulo) e “Histórias do cinema brasileiro” (três programas totalizando 15 curtas).

Ao compor esses programas, a curadoria de curtas induz a uma visão mais articulada e profunda desses filmes, que normalmente levam vida isolada no fluxo de mostras e exibições na TV. Programas como “Discurso e intervenção”, “Perambulação: realismo nas ruas”, “Ventres livres”, “Universo popular e escape”, “Diferenças” e “Consumo e alienação” propõem relações conceituais entre filmes de épocas e procedências diferentes, assim potencializando seus significados. Obviamente, temas como música, futebol, diversidade sexual, adolescência e maioridade respondem por diversos programas e disponibilizam ao público muitos dos melhores curtas produzidos no país, sejam documentais, ficcionais ou experimentais. Ilha das flores, de Jorge Furtado, que muitos consideram o melhor curta já feito no Brasil, está no DVD apropriadamente intitulado “Clássicos e modernos”.

A animação ocupa, claro, outro lugar de destaque no acervo da Programadora. A oferta inclui, além de três longas recentes, dezenas de curtas disseminados em vários programas ou reunidos em DVDs específicos. As coletâneas de curtas animados se destinam, nomeadamente, a faixas distintas de idade, incluindo os quatro titilantes programas “Animações para adultos”. As animações infantis são campeãs de audiência nos pontos de exibição regulares da Programadora Brasil. Mas os personagens de carne e osso também fazem a alegria da garotada em programas identificados como “Curtas infantis” e “Curta criança”, este contemplando os filmes vencedores do edital homônimo promovido pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, em parceria com a Empresa Brasil de Comunicação, e destinado a estimular a produção de curtas para o público infantil.

Sotaques e paisagens

O caráter representativo deste catálogo se estende também ao aspecto regional. Apesar da natural predominância de filmes do Rio e de São Paulo – polos tradicionais da produção cinematográfica no Brasil –, nota-se o empenho da curadoria em mapear as cinematografias de outros estados. O cinema nordestino tem participação significativa, com produções da Bahia, Pernambuco, Ceará e Paraíba, principalmente. Além de longas historicamente importantes para os rumos do cinema brasileiro, vale ressaltar que esta seleção também espelha o dinamismo do curta-metragem no Nordeste das duas décadas passadas.

Minas Gerais não fica atrás, com um bom número de curtas relevantes e alguns longas de peso, como o raríssimo O homem do corpo fechado, de Schubert Magalhães. De Helvécio Ratton a Helvécio Marins, o cinema mineiro marca aqui alguns de seus pontos cardeais. O mesmo se pode dizer dos estados do sul. O cinema gaúcho se faz presente com animações de Otto Guerra, produções da Casa de Cinema de Porto Alegre e longas históricos que ecoam o passado da região, entre outros trabalhos. Do Paraná e de Santa Catarina vêm filmes realizados sobretudo na década passada. Outra representação forte é a do cinema brasiliense, com quase 30 filmes.

A Programadora Brasil não tem – quem poderia ter? – a ambição de esgotar tudo de bom que foi criado em cinema no país. Mesmo o trabalho de curadoria mais refinado costuma topar com dificuldades. Deficiências de preservação e perdas históricas deixam lacunas inevitáveis no levantamento de uma filmografia mais completa. Os acervos das cinematecas são vasculhados em busca de matrizes que possam servir à duplicação, em seguida a cuidados básicos de limpeza e eventual restauração. Mas nem todas essas buscas chegam a resgatar o objeto do desejo dos programadores. Resta, então, perseverar na construção de políticas públicas que garantam, cada vez melhor, a sobrevivência da nossa memória cinematográfica.

Numa época em que a dispersão e a indiferenciação banalizam o consumo de cultura, o olhar cuidadoso e a ação multiplicadora da Programadora Brasil estão corrigindo o foco sobre o cinema brasileiro. O passado e o futuro agradecem.