quarta-feira, 25 de abril de 2012

Estado e Cultura

Caros amigos,
às vezes envio mensagens um tanto intempestivas e depois me preocupo.
Como esta aí, sobre o artigo do NIZAN.
Para mim elas funcionam como uma espécie de feeling, a transmissão sem controle de uma inquietação.
Mas podem não ser entendidas.
O que eu quis dizer, mesmo incomodado, é que o Estado Brasileiro mudou muito nesses 50 anos desde o Cinema Novo (abusiva e provocativamente usado pelo NIZAN no artigo). E nos últimos anos foi se firmando como um Estado com governos que buscam o desenvolvimento econômico e algum bem estar social. Desenvolvimento, ao meu ver, correndo atrás da lógica empresarial, principalmente a do grande capital, visto sem qualquer restrição ou, pelo contrário, incentivado. O Estado então assumiu a tarefa de abrir caminho para o mundo empresarial, enquanto pratica uma politica de reforço da economia popular via transferência de renda. Uma coisa ajuda a outra: o aumento de renda alimenta o mercado, o crescimento das empresas gera empregos.
Quando eu disse que "o diabo finalmente apareceu em nossa sala" eu quis dizer isso: a política do Estado hoje pensa com a cabêça dos grandes empresários. Vai se apagando de vez a imagem de um Estado getulista, propulsor do progresso. Numa mensagem no Facebook eu escrevi: "o capitalismo brasileiro, muito internacionalizado, é tão forte que os políticos podem brincar de fazer política" , isto é, brigarem, se corromperem, perderem o rumo, - já que o pensamento econômico dominante no Estado é ajudar o mundo empresarial a se mostrar poderoso e atuante. E é nesse mundo, o do progresso empresarial, que todos devem se acomodar, inclusive a cultura.
Aí está, para mim, a raiz da dificuldade em traçar uma politica cultural no país.
A tão falada e sentenciada dependência ao Estado já incomoda os governos. Governantes querem que o mundo da cultura se acomode, se vire, no mundo "vencedor" das grandes empresas brasileiras (ainda são brasileiras?).
Na mensagem sobre o artigo do Nizan, eu disse que isso vinha "para o bem ou para o mal".
Isso exibe uma facêta de minha visão sobre a história da produção cultural: sempre agimos nas dobras do sistema. O Estado, os governos, os empresários, nunca gostaram das idéias novas e do que as produções culturais invariavelmente expoem: as dificuldades das sociedades, dos individuos, da humanidade, os sonhos de um mundo melhor. Mas, apesar desse viés do poder, os artistas criaram, os pensadores pensaram e tanto os sonhos como as críticas nunca deixaram de revelar nossas inquietações.
Nas "dobras", artistas e pensadores sempre buscaram espaço para seus sentimentos e sua lucidez. E acabam sempre encontrando seus parceiros, seus financiadores, seus apoios, em meio à complexidade social que exibe alguma supremacia mas não consegue nunca a totalidade ( há excessões terríveis que a humanidade soube superar)
E não é diferente agora.
Mas para o Estado brasileiro, pouco importa essa capacidade reveladora e crítica da produção cultural.
Pode importar sim, para certos políticos e até para governantes mais sensíveis.
Não para o Estado, não para essas pessoas como governantes.
Importa o sucesso.
Mais uma vez não me entendam mal: não falo contra o sucesso, falo das preferências do Sistema.
Há belissimos filmes de sucesso e péssimos filmes "experimentais", miuras. E o reverso, péssimos filmes de sucesso e excelentes filmes de pouca bilheteria ( que nem sempre significa fracasso).
Para o pensamento politico dominante hoje, importa é o desenvolvimento empresarial.
Como já disse, o Estado compensa essa diretriz com uma política social de renda.
Esse, para mim, é o diabo que o Nizan colocou em nossa sala.
Compreender isso, acho eu, é importante para bem direcionarmos nossa luta pela fundamental diversidade do Cinema Brasileiro.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Cinema Brasileiro e nosso capitalismo tardio

Não se espantem com o que vou dizer. E que ninguém se ofenda, não estou fazendo julgamento moral:
O diabo finalmente entrou em nossa sala.
Em carne e osso.
Para o bem e para o mal.
O artigo do Nizan é ousado e lúcido: fala de um novo tempo, de um novo Brasil, de uma nova economia, de um novo Estado.
Gostemos ou não.
Vejam DO QUE EU ESTOU FALANDO:

NIZAN GUANAES
Cinema novo
Não é o que sua empresa ou marca pode fazer pelo cinema, mas o que o cinema pode fazer por elas
O CINEMA é um produto cultural estratégico para o novo Brasil, um país que vai naturalmente consumir mais cultura e exportar mais cultura.
O cinema é uma grande oportunidade para as marcas, para a imagem do nosso país.
Basta ver o que o cinema fez pelos Estados Unidos. Em muitos sentidos, o cinema fez os Estados Unidos.
Portanto, é preciso inverter a equação do cinema nacional. Não é o que o Brasil pode fazer pelo seu cinema, mas o que o cinema pode fazer pelo Brasil. Não é o que sua empresa ou marca pode fazer pelo cinema, mas o que o cinema pode fazer por elas.
Imagine James Bond trocando seu tradicional dry martini por nossa caipirinha e você conseguirá projetar o potencial do que estou falando.
Os filmes hoje fornecem conteúdos "transformers", capazes de ocupar todas as plataformas do mundo em que vivemos: das telinhas dos smartphones aos telões do Imax, on-line e off-line, interativas e contemplativas.
A multiplicação espantosa de canais e mídias, marca dessa era da comunicação, gera apetite infinito por conteúdo, e o cinema é o rei do conteúdo, a grande síntese de música, literatura, dramaturgia, artes plásticas...
Sempre digo para os diretores de arte da publicidade brasileira que é muito mais importante conhecer Aleijadinho do que as últimas obras do anuário. A direção de arte brasileira deve seguir a direção da arte brasileira. É o que nos dá identidade e legitimidade, alcance e profundidade. É o que nos dá alma.
Mas assim como a pesquisa científica precisa se aproximar do chão da fábrica para criar inovação relevante no Brasil, as artes também precisam se aproximar da propaganda e de outras linhas industriais de produção cultural para criar oportunidades de financiamento e ampliar o acesso ao público.
Misturar arte e indústria é algo que a moda sempre fez com muita competência, que a Itália faz com muita elegância, que os EUA fazem com muita desenvoltura. O Brasil precisa fazer mais isso. A propaganda e o cinema são parceiros naturais para esse casamento.
A Africa Rio é uma agência criada com esse fim, aproveitando a vocação natural do Rio de Janeiro de ser a Hollywood brasileira. Ela acaba de elaborar um modelo de projeção de público de filmes e de peças de teatro que busca trazer mais racionalidade e previsibilidade às ações de marketing dentro das produções artísticas.
O antigo merchandising evoluiu para o "product placement". Essa mudança de nomenclatura não reflete só o apreço publicitário por jargões e rótulos em inglês, reflete também uma evolução efetiva: a colocação de produtos num filme, numa peça de teatro ou de TV é operação cada vez mais sofisticada para engajar um consumidor de cultura cada vez mais disputado e soberano.
Vejam "Náufrago", com Tom Hanks: um funcionário da transportadora FedEx acaba isolado numa ilha deserta depois de um desastre de avião da empresa e transforma uma bola da marca Wilson no seu único amigo, com quem trava monólogos incríveis e que ele batiza de... Wilson. Simples, sensível, funcionou muito bem dramaticamente e fez horrores pela marca de produtos esportivos.
E tem ainda, nesse mesmo "blockbuster", o caso da FedEx, que viu um avião com sua marca cair logo no começo do filme. Propaganda negativa? Que nada! A última cena do filme traz Tom Hanks de novo vestido com o uniforme da empresa entregando um dos pacotes que diligentemente salvou do desastre anos antes. Mensagem que fica: a FedEx entrega seu produto mesmo se o avião cair.
É isso o que o cinema brasileiro pode fazer por nós, essa mágica dramática dos filmes que hoje se espalha por uma cauda cada vez mais longa de exibição (TV aberta, TV paga, vídeo on demand, DVD, downloads...).
O cinema brasileiro quase sempre foi dependente do governo e das leis de incentivo. Bem ou mal, foi o modelo que nos trouxe até aqui. A propaganda pode ser a terceira dimensão desse financiamento e uma garantia de final feliz para produções e para marcas.
NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC

terça-feira, 17 de abril de 2012

TV Cultura-2

Dia 17Abril\2012 Eu usei a palavra "resto" num contexto de politica do Estado. o Estado não deve direcionar a cultura. Por isso eu disse que as questões propriamente culturais devem estar a cargo das pessoas envolvidas com a TV: gestão e programação, direção e Conselho Curador, que devem estar abertos às críticas e sugestões públicas ( não obrigatoriamente acatar).

Essas conversas são importantes para mim. Leia com isenção o que vou dizer: não se pode misturar as críticas ( que não quero julgar aqui) com os posicionamentos com relação à politica dos governos do Estado. Para mim é importante que nenhum governo, seja lá de que partido for, direcione a cultura. Porisso é importante que os gestores culturais tenham uma relação aberta com a sociedade. Ou esses gestores conseguem responder aos anseios da sociedade, superar as críticas, - ou o governo, qualquer que seja ele, acaba intervindo. E posso dizer que para qualquer governo, numa democracia, é preferível que esses gestores acertem... Por outro lado, o acerto dos gestores vacina (até certo ponto, é claro) as entidades culturais dessa possibilidade de intervenção. Nesse caso, o desgaste da intervenção será do governo. Dialeticamente, no mundo moderno, não se pode conduzir uma política cultural na oposição: a cultura depende muito do Estado. É preciso, então, garantir o apoio do Estado e manter a independência...

TV Cultura

1- Dia 14Abril2012. Meus amigos, segunda feira, dia 16, tomo posse como membro do Conselho Curador da TV Cultura. É bom voltar ali, depois de tanto tempo. E emoção, afinal trabalhei ali com o Vlado (Vladimir Herzog) entre 1972 e 1974, também junto de amigos como o Fernando Jordão (diretor do programa, o "Hora da Notícia"), o Fernando Morais, Anthony Christo, Georges Bourdokan, tanta gente boa. Eu, apesar de já ser cineasta, com 3 longas, era "repórter especial", fazendo pequenos documentários para o telejornal diário. Eram filmes que revelavam um país diametralmente oposto ao exibido pela propaganda oficial da ditadura nas tvs. Por isso tivemos tantos problemas. Agora, na democracia, certamente os desafios são outros, queremos todos uma TV Pública forte, independente, ousada e desejada por todos.
2- Dia 17Abril2012 TV Cultura: No dia de minha posse como membro do Conselho Curador da TV Cultura ( na verdade, da Fundação Padre Anchieta, a quem pertence a TV Cultura), manifestação tranquila na porta e um bom debate no Conselho. Sem nos envolvermos em críticas à direção atual (João Sayad) a opinião geral (aqui é minha opinião sobre a reunião) foi a de que precisamos discutir a TV Pública. Nessa questão houve mutas mudanças nos últimos anos, inclusive com a criação da TV Brasil. E há a eterna questão: quem paga a conta.
Sinto que o Governo do Estado tem uma preocupação básica e justa, em dois níveis: primeiro o montante e o bom uso dos recursos repassados; depois a função socio-cultural da TV( e rádio), o reconhecimento público como um serviço cultural relevante, digno do orgulho de todo o povo de São Paulo. O resto, questão de gestão e de programação, é um assunto interno que cabe á direção da TV e ao Conselho Curador resolver. Isso é democracia. Tenho certeza de que é o que pensa e quer o Governo do Estado

sábado, 7 de abril de 2012

64: golpe anti-cultural

Em meu filme "TRAVESSIA" (LONGA E TAMBÉM SÉRIE EXIBIDA NA TV BRASIL), o bossa-novista CARLOS LYRA faz o retrato da cultura no Brasil antes do golpe de 64: O Brasil era uma pot~encia cultural. Nos anos 50, com a modernização do país (era JK), há um crescimento imenso dos movimentos de juventude e operários. E DEMOCRACIA como há muito não viamos ( eu era adolescente...). O resultado foi um desenvolvimento cultural fantástico. Tudo aconteceu: teatro renovado e revolucionário (Arena, Oficina, outros), Bossa Nova, Cinema Novo, manifestações transformadoras e reconhecidas no mundo inteiro. Toda uma geração se preparava para conduzir esse país para um futuro progressista, culto e livre mas o que os militares, incentivados pela direita nacional nos deram foi o atrazo, a violência institucional, a desorganização da sociedade e o fim do ciclo virtuoso iniciado na DEMOCRACIA da era JK.