domingo, 15 de junho de 2014

QUEBRA DE PADRÕES DE COMPORTAMENTO


A vaia e, esse sim, absurdo xingamento dirigido à presidente da República nada mais é do que o aprofundamento de um destempero geral na sociedade, uma quebra de padrões aceitos de comportamento. Não sou historiador, mas sei que isso se deu muitas vezes em momentos de crise, quando os valores estabelecidos no consenso social parecem não servirem mais. E quando a necessidade de mudança não gera um discurso articulado do que seriam os novos valores. Uma vez, numa discussão de bar no interior brasileiro, vivi uma situação dessas: meus argumentos contra o de um frequentador o deixaram silencioso e insatisfeito. O sujeito me olhava com ódio. Um amigo me alertou, falando baixinho: "cuidado, aqui você não deve deixar as pessoas sem saídas, - elas vão forçar uma saída, nem que seja a bala".
Uma outra experiência foi quando eu preparava, no final dos anos 1970, um programa especial para TV sobre a Guerra do Contestado, uma guerra de camponeses no início do século XX em Sta Catarina e Paraná. Eu estava com o Jean Claude Bernardet, que convidei para pesquisar e, juntos, criarmos um roteiro ( que nunca virou filme). Ali percebemos uma coisa, a "quebra de valores de convivência". Teóricos chamam de quebra do "compadrio": se antes os coronéis eram os amigos, protetores, padrinhos de todos os filhos dos camponeses, de repente, como parte da crise, isso se quebra e os camponeses passam a demonizar os coronéis e suas famílias, muitas vezes com violência sem medidas. No apaixonado e místico projeto dos camponeses, não havia espaço para nenhum outro setor da sociedade. Muito menos para os coronéis, que os mantinha na semi-escravidão. E, é claro, nem um projeto que servisse à complexidade do Brasil.
Pois bem, parece que vivemos um pouco esse momento.
Com um agravante: a crise aparenta vir apenas como descontentamento com o presente e uma certa visão negativa de todo o passado brasileiro.
E um medo do futuro.
Não temos os coronéis no governo e nem a oposição é camponesa.
Nem o contrário.
Temos um país dominado pelo grande capital e uma sociedade civil disputando o leme do barco que navega nos canais secundários desse mangue.
Nessa falta de projetos, - e de governos, frutificam os rancores, o desrespeito, o vale tudo.
Os dirigentes dos grandes monopólios assistem tranquilamente a esse esporte onde valem chutes abaixo da cintura e cuspidas na cara.
Haveria futuro em questão?
Acho que esta é a pergunta, ainda sem respostas.


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