terça-feira, 1 de julho de 2014

Torcidas e Memória

FB 01Julho2014

TORCIDAS E MEMÓRIA
Incorrigível e eventualmente infantil: tenho torcido para países do terceiro mundo, esperando encontrá-los numa final com Brasil. Seria uma verdadeira festa. Nada contra os países desenvolvidos, vivemos outros tempos. Vale aqui a emoção da memória e também a crítica aos resquícios colonialistas e racistas nesses países, mesmo os mais amigos, como a França, que tão bem acolheu exilados políticos brasileiros. Torci para Argélia, com a emoção da memória de sua guerra de libertação justamente contra a França da era colonialista, - tendo como líder Ahmed Ben Bella, aliás, ex-jogador de futebol. Pela Costa-Rica tão pequeno, sem exército, com tão valente e talentosa seleção. Pelo Chile (apesar de tudo e, claro, menos no jogo com o Brasil), pela lembrança de  Allende e dos sofrimentos sob a terrível ditadura de Pinochet. Pela Colômbia, Gana, Camarões, Uruguai, Argentina, Nigéria, Equador. Se tivesse Vietnã, lá estaria eu torcendo pelos vietcongs derrotando os poderosos Estados Unidos. Se tivesse um time de Moçambique, de Angola, do Congo, lá estaria eu torcendo, pensando no herói Patrice Lumumba, lider africano anticolonialista assassinado em 1961 (reproduzo abaixo texto de sua carta escrita na prisão). O prazer do futebol se mesclaria com minhas lembranças. São lembranças fortes demais, carregadas de extrema emoção. Lembranças que moldaram meu espírito crítico, minha juventude. É verdade, gosto de futebol e coloco esse gosto na companhia das esperanças que cultuei em minha vida. Se o Brasil for campeão, FESTA!, - quero festejar em nome de nosso país e desses países irmãos que têm mostrado sua garra nessa Copa.
ANEXO:
Carta de Patrice Lumumba, preso, escrita poucos dias antes de ser assassinado em janeiro de 1961:
"(...) Não estamos sós. A África, a Ásia e os povos livres e libertados de todos os cantos do mundo estarão sempre ao lado dos milhões de congoleses que não abandonarão a luta senão no dia em que não houver mais colonizadores e seus mercenários no nosso país. Aos meus filhos, a quem talvez não verei mais, quero dizer-lhes que o futuro do Congo é belo e que o país espera deles, como eu espero de cada congolês, que cumpram o objetivo sagrado da reconstrução da nossa independência e da nossa soberania, porque sem justiça não há dignidade e sem independência não há homens livres.

Nem as brutalidades, nem as sevícias, nem as torturas me obrigaram alguma vez a pedir clemência, porque prefiro morrer de cabeça erguida, com fé inquebrantável e confiança profunda no destino do meu país, do que viver na submissão e no desprezo pelos princípios sagrados. A História dirá um dia a sua palavra; não a história que é ensinada nas Nações Unidas, em Washington, Paris ou Bruxelas, mas a que será ensinada nos países libertados do colonialismo e dos seus fantoches. A África escreverá a sua própria história e ela será, no Norte e no Sul do Sahara, uma história de glória e dignidade."  

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